Marketing e presidência: como Lula transformou imagem em voto ao longo dos anos

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Desde 1989, campanhas de Lula apostam em narrativas emocionais, slogans marcantes e forte apelo popular para transformar imagem em voto

 

Luiz Inácio Lula da Silva é, sem dúvida, um dos nomes mais conhecidos da política brasileira. Mas o que muitos não percebem é que, além de sua história de vida e carisma, o marketing político sempre teve papel decisivo em suas campanhas. Ao longo de sete disputas presidenciais — sendo três vitoriosas — Lula soube se reinventar, adaptar sua comunicação aos tempos e emocionar o eleitorado com mensagens certeiras. Do famoso “Lulinha Paz e Amor” ao viral “Faz o L”, cada campanha foi planejada para muito mais do que pedir votos: ela contava uma história.


A construção da imagem: do sindicalista combativo ao líder nacional

Antes de conquistar sua primeira vitória nas urnas em 2002, Lula já era uma figura amplamente conhecida no cenário político brasileiro. Sua imagem estava associada à luta sindical, ao enfrentamento direto com as elites econômicas e ao discurso inflamado contra a desigualdade. Era o candidato da classe trabalhadora, da periferia, da oposição sem rodeios.

Essa postura rendeu grande identificação popular, mas também despertava resistência em setores mais conservadores e econômicos do país. Muitos viam Lula como um risco à estabilidade — um radical, um "perigo" para o mercado. Foi com essa imagem que ele disputou, sem sucesso, suas três primeiras eleições presidenciais.

Em 1989, na primeira eleição direta após a ditadura militar, Lula adotou o slogan “Sem medo de ser feliz”, apostando em uma mensagem de esperança e transformação social. A campanha, embalada pelo icônico jingle “Lula Lá”, ficou marcada na memória popular, mas acabou derrotada por Fernando Collor de Mello no segundo turno.


Foto - (Arte dC - fonte: Acervo FPA - “Patrimônio Iconográfico do PT”, realizado entre junho de 2014 e fevereiro de 2005.)


Já nas campanhas de 1994 e 1998, em meio à ascensão do Plano Real e ao prestígio de Fernando Henrique Cardoso, Lula tentou ajustar o discurso, mas manteve o tom crítico. Em 1994, o slogan foi “O Brasil precisa de um choque de honestidade”, com foco no combate à corrupção. Em 1998, o bordão mudou para “O Brasil pode mais”, buscando uma conexão mais propositiva com o eleitorado. Em ambas, foi derrotado ainda no primeiro turno.

Foto - (Arte dC - fonte: Acervo FPA- “Patrimônio Iconográfico do PT”, realizado entre junho de 2014 e fevereiro de 2005.)


Essas derrotas mostraram um limite para o estilo direto e combativo de Lula: ele mobilizava a base, mas não conseguia ampliar. Era necessário mudar.


2002: A virada com “Lulinha Paz e Amor” e o marketing da moderação

A eleição de 2002 marcou um ponto de inflexão na história política de Lula. Após três derrotas consecutivas, sua equipe entendeu que não bastava ter propostas ou apelo popular — era preciso reformular sua imagem para dialogar com mais setores da sociedade.

Foi nesse contexto que surgiu o conceito de “Lulinha Paz e Amor”, criado pela equipe do marqueteiro Duda Mendonça. A campanha trabalhou para suavizar o tom de Lula, tanto na fala quanto na aparência. Ele passou a usar roupas mais sóbrias, evitar embates diretos e se apresentar como um líder maduro, pronto para governar com equilíbrio.


Duda Mendonça, publicitário responsável pela campanha de Lula em 2002, finaliza os últimos ajustes para o debate entre os principais candidatos à Presidência da República, realizado na TV Bandeirantes, em 4 de agosto de 2002. 📸 Foto: J. F. Diorio / FOTODIGITAL


O slogan oficial daquela campanha foi “A esperança vai vencer o medo”, uma resposta direta ao estigma que parte do eleitorado ainda carregava sobre ele. A frase não apenas resgatava o sentimento de mudança, mas também reposicionava Lula como alguém capaz de unir, não dividir.

Além disso, a escolha do empresário José Alencar, um industrial mineiro, como vice-presidente, ajudou a sinalizar confiança ao mercado e a setores mais conservadores. Era o pacote completo de marketing: imagem reformulada, discurso alinhado, alianças estratégicas e uma narrativa emocional forte.

O resultado foi claro: Lula venceu no segundo turno, com mais de 52 milhões de votos. Sua vitória não foi apenas eleitoral — foi também uma vitória do marketing político bem planejado.


2006: O marketing da continuidade e o reforço da identidade popular

Na campanha de 2006, Lula buscava a reeleição em meio a um cenário desafiador. O escândalo do mensalão havia abalado o governo e a oposição apostava na perda de credibilidade do presidente. Ainda assim, a estratégia de marketing foi clara: reforçar os avanços sociais e econômicos do primeiro mandato e manter Lula como o líder popular, próximo do povo.

O slogan da campanha foi direto e eficaz: “Deixa o homem trabalhar”. A frase virou um bordão popular, repetida em ruas, comícios e até em programas humorísticos. Com forte apelo emocional, o slogan transmitia a ideia de que Lula estava fazendo um bom trabalho e merecia continuar. Era o marketing da confiança, da simplicidade e da continuidade.


Foto - Eleições de 2006 (fonte - Ricardo Stuckert - Acervo FPA)


O foco da campanha foi nos programas sociais implementados no primeiro mandato, como o Bolsa Família, Luz para Todos, Minha Casa Minha Vida (em elaboração) e a valorização do salário mínimo. O discurso evitava confrontos e explorava o contraste entre o governo "que fazia" e os adversários "que criticavam".

Além disso, o tom dos materiais de campanha — jingles, vídeos e falas — explorava o crescimento econômico, a redução da pobreza e a melhoria de indicadores sociais. A figura de Lula era central, reforçada por sua conexão com as classes C e D, que haviam se beneficiado diretamente das políticas públicas.

O resultado foi mais uma vitória. Após um primeiro turno apertado, Lula venceu o segundo turno com folga, superando Geraldo Alckmin (PSDB). A mensagem era clara: o povo queria continuidade — e o marketing soube entregar essa narrativa com precisão.


2018: A força da imagem mesmo fora da disputa

Em 2018, Lula não pôde concorrer oficialmente à presidência da República devido à condenação na Lava Jato. Mesmo assim, sua imagem foi central na estratégia do Partido dos Trabalhadores. O slogan da campanha foi “O Brasil feliz de novo”, um resgate emocional aos tempos de bonança dos seus governos.



Inicialmente, Lula aparecia como o candidato oficial e liderava todas as pesquisas, mesmo preso. A estratégia da campanha foi clara: usar o capital político de Lula ao máximo enquanto a candidatura estivesse em pé. Durante semanas, a propaganda eleitoral exibia imagens antigas do ex-presidente, depoimentos de apoiadores e discursos emocionados sobre o “tempo em que o povo comia picanha e viajava de avião”.

Após o indeferimento oficial da candidatura, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad foi anunciado como substituto — com o slogan simbólico:
🗣️ “Haddad é Lula, Lula é Haddad.”

Essa transição foi marcada por vídeos em que o próprio Lula “passava a faixa” simbolicamente ao novo candidato. O marketing apostou na transferência de votos por identidade, não por proposta: a figura de Lula seguia como o principal cabo eleitoral da disputa.

Apesar da forte resistência e do cenário político polarizado, Haddad conseguiu chegar ao segundo turno contra Jair Bolsonaro, mas foi derrotado. Mesmo assim, a campanha de 2018 provou que a imagem de Lula, trabalhada durante décadas por meio de marketing político, seguia sendo um ativo poderoso.


2022: A esperança reembalada nas redes sociais

A eleição de 2022 representou o retorno de Lula à disputa presidencial após 12 anos longe do cargo e 4 anos afastado por processos judiciais. E mais uma vez, a vitória não foi construída apenas nas propostas, mas na narrativa cuidadosamente elaborada pela campanha.

O slogan oficial foi “Vamos juntos pelo Brasil”, uma frase simples, mas que transmitia a ideia de união e reconstrução nacional. No entanto, o marketing foi além do institucional: resgatou o passado com o bordão “A esperança vai vencer de novo”, numa releitura emocional do slogan de 2002, e criou novos símbolos com alto potencial de viralização.



O principal deles foi o gesto “Faz o L”, adotado por militantes, artistas e influenciadores, tornando-se um dos maiores marcos visuais da campanha. Criado para dar identidade e engajamento à candidatura, o símbolo se espalhou nas redes sociais com milhares de vídeos, memes e conteúdos espontâneos.

Além disso, a equipe de marketing apostou fortemente no marketing digital segmentado, com conteúdos direcionados a públicos específicos: jovens, mulheres, população periférica, religiosos e grupos progressistas. O trabalho nas redes foi estratégico, com vídeos curtos, mensagens emocionais e forte presença no TikTok, Instagram e WhatsApp.

A campanha também reforçou a imagem de Lula como um líder experiente, recuperando trechos de sua história, alianças amplas — como a presença de Geraldo Alckmin como vice — e o discurso de reconstrução do país pós-pandemia e pós-Bolsonaro.

No fim, a fórmula se provou eficiente: Lula venceu o segundo turno com mais de 60 milhões de votos, retornando à presidência após 12 anos, e com a imagem mais uma vez lapidada por um marketing que soube ouvir o momento do Brasil e responder com sensibilidade.


dC Charge


Frases que viraram símbolo: da esperança à picanha

Além dos slogans oficiais, as campanhas de Lula sempre se destacaram por frases que viralizaram, geraram forte comoção popular ou se tornaram símbolos afetivos. Essas declarações muitas vezes surgiam em discursos espontâneos, mas eram rapidamente incorporadas às estratégias de marketing como peças-chave para mobilizar o eleitorado.

Uma das mais lembradas da campanha de 2022 foi a promessa de que o brasileiro voltaria a comer picanha e tomar cerveja. Em um comício em São Gonçalo (RJ), Lula declarou:

🗣️ “O pobre vai voltar a comer picanha e tomar cerveja. Porque esse país não é só para a elite.”

A fala ganhou ampla repercussão e virou um símbolo de retomada da dignidade. O marketing da campanha soube explorar esse apelo popular, transformando a picanha — um item simples, mas caro diante da inflação — em símbolo de prosperidade e contraste com a crise econômica vivida durante o governo anterior.

A promessa da picanha não era sobre carne, mas sobre acesso. Era sobre poder voltar a celebrar, reunir a família, ter o básico e o prazer de volta à mesa. Esse tipo de narrativa emocional sempre esteve presente nas campanhas de Lula e é uma das razões pelas quais ele se conecta com o sentimento popular.

Outros episódios similares também ganharam força, como:

  • A frase “eu sei o que é passar fome”, repetida diversas vezes por Lula em diferentes campanhas, relembrando sua origem humilde;

  • A promessa de “colocar o pobre no orçamento”, que reforça o discurso de inclusão social;

  • E o gesto simbólico do “Faz o L”, que, embora simples, virou linguagem de identificação política entre seus apoiadores.

Esses momentos mostram que, nas campanhas de Lula, o marketing não apenas comunica — ele representa. E quando isso acontece, a emoção se transforma em voto.


Quando a comunicação é tão forte quanto a proposta

A trajetória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva mostra que, mais do que ideias, é a forma como elas são comunicadas que faz a diferença. Seus slogans, gestos, bordões e até metáforas populares — como a promessa da “picanha e cervejinha” — não foram apenas frases de campanha, mas construções simbólicas capazes de despertar emoção, identificação e memória afetiva.

Lula entendeu como poucos que, na política brasileira, vencer não é apenas convencer com argumentos, mas tocar o sentimento do povo. Foi o marketing — bem planejado, emocional, direto — que deu forma à sua imagem e sustentou sua narrativa ao longo das décadas.

Ao observar o histórico de suas campanhas, fica evidente que ninguém governa apenas com discurso técnico, assim como ninguém vence eleição apenas com carisma. É o equilíbrio entre proposta, imagem e emoção que transforma um candidato em presidente — e, em Lula, essa fórmula se confirmou três vezes.




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Marketing e presidência: como Lula transformou imagem em voto ao longo dos anos
Desde 1989, campanhas de Lula apostam em narrativas emocionais, slogans marcantes e forte apelo popular para transformar imagem em voto
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